por José Luís Peixoto
Temos estas palavras. Agora, é aqui que estamos. Reparaste que utilizo a primeira pessoa do plural, nós, refiro-me, claro, a ti e a mim. Talvez haja outras pessoas a ler este texto mas, agora, neste preciso agora, só podemos ter a certeza de nós, somos os únicos aqui. Eu sei que os nossos corpos estão em algum lugar específico, localizável por GPS, é possível que esteja uma temperatura perfeita nesse lugar, os milagres da climatização, mas também é possível que entre uma aragem gelada pela janela aberta, pela janela aberta do carro, também pode acontecer que esse lugar seja ao ar livre. É possível, mas é pouco importante porque, agora, neste preciso agora, estamos aqui. A nossa atenção está toda nestas palavras.
Alguns, vários, passaram também por aqui, demoraram-se apenas durante quatro ou cinco linhas do início. Depois, tentando reter a informação essencial, agarraram-se a uma ou duas linhas do meio e do final. Infelizmente para eles, o mais essencial não é a informação. E, dessa forma, não chegaram a conhecer o que possuímos por estar aqui, o que realmente importa: este tempo.

Espero que tenhas desligado o telemóvel ou, pelo menos, espero que ninguém te ligue. O mundo, esse mundo cronometrado, aqui, é menos do que o horizonte que formos capazes de levantar através da nossa capacidade de imaginar, por exemplo, um pôr-do-sol.
Aproveita bem este privilégio que possuímos, vou tentar aproveitá-lo contigo, ainda temos uma boa quantidade de tempo para estar aqui, nestas palavras. Olha lá para longe, o sol tão pesado, de cor tão madura, mel, o sol a esforçar-se para segurar os seus contornos, mas a transbordar de si próprio, a descer a um ritmo que não conseguimos apreender completamente e que, no entanto, ninguém pode impedir.


Repara na forma como passa este tempo lido. Temos muitas oportunidades para respirar. Se quisermos, apenas pela vontade do nosso entendimento, podemos alongar as palavras para fazer caber nelas os nossos caprichos mais lânguidos. Podemos também, sem pressa, demorarmo-nos na pontuação. Não temos horário rígido para chegar ao ponto final. Quando lá chegarmos, o mundo estará todo à nossa espera. A propósito, onde está esse mundo enquanto lemos estas palavras?

Aproxima-se cada vez mais do horizonte, irá tocá- lo, não tardará a tocá-lo. Temos consciência deste instante, da sua duração. E o sol toca o horizonte.Primeiro, fica pousado sobre ele, duas linhas quese tocam, sol e horizonte, uma linha e um círculo ardente; depois, A terra abre-se para recebê-lo, o sol entra muito devagar no lugar que lhe pertence, como se quisesse proteger-se, como se regressasse.
Um pouco mais, mais, e o sol desaparece. Sobre o horizonte, fica o clarão de um sol que existiu, todo o tamanho do passado. E nós ainda aqui, estas palavras, sem sabermos o que acontecerá depois.
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