O Tempo do Oceano por José Luís Peixoto

De manhã, enquanto tomo o pequeno-almoço, vejo o oceano Atlântico através da janela da minha cozinha. Há dez anos, nas difíceis opções do mercado imobiliário, esta vista foi um dos principais motivos que me levou a escolher casa. O sétimo andar permite a ilusão de um posto fora do mundo, propício à análise e à reflexão. A realidade acontece lá em baixo. Por outro lado, ao mesmo tempo, o oceano propõe infinito, ideias de grandeza, sonhos imensos. O dia começa e acaba com luz sobre essa superfície até ao horizonte, atravessada por ondas e linhas de espuma no inverno, calma e quase adormecida no verão. E passam navios enormes, carregados de contentores, imagino os continentes de onde chegam, outros portos, outros mundos. Passam cruzeiros, toneladas de aço branco, como cidades iluminadas, piscinas no topo. Há sempre pequenos barcos à vela, como gaivotas sem destino, como se fosse sempre sábado. Às vezes, passam submarinos à tona. Estas presenças amenizam muito os dias. Em vez da borracha negra dos pneus a gastar- se no alcatrão, com atrito, travagens e risco de colisão, estas figuras deslizam na água, lentamente, muito lentamente, são figuras que flutuam na luz.

Neste oceano, há mais de cinco séculos, os navegadores portugueses partiram para longas viagens. Conhecemos bem os seus nomes, tivemos de decorá-los na escola e, antes do euro, apareciam nas notas de escudos.Há mais de cinco séculos, talvez num dia como este, com semelhantes condições de mar, esses navegadores partiram para longas viagens, sem imaginar que, muito mais tarde, dariam nome a ruas e avenidas, a escolas, hospitais e centros comerciais. Esse tempo, contado em séculos, é grande como este oceano.

O horizonte não é verdadeiramente uma fronteira. Sabemos que, por de trás dessa linha, há mais oceano. Talvez seja essa falta de limites que nos desorienta. Apesar dos mapas que os navegadores desenhavam, apesar dos cálculos que faziam a partir das estrelas, há uma cartografia que, mesmo depois de tanto tempo, os portugueses ainda tentam resolver. Talvez esses navegadores tenham atravessado oceanos, encontrado o caminho marítimo para toda a parte, porque tentavam descobrir o lugar de Portugal no mundo. Essa é a dúvida que nos assalta todos os dias quando observamos o oceano. Qual é o nosso tamanho? Às vezes, acreditamos que somos um país gigante, com uma história imensa, com lugar entre as grandes civilizações. Noutras vezes, parece-nos que somos um pequeno país periférico, empurrado para um canto da Europa, que ganha por sorte no futebol.