

Deixa tudo o que planeaste para o dia de amanhã e vem. Não são os teus planos que garantem a sobrevivência do mundo. Depois destas paredes, há campos, rios, montanhas, planícies, desertos; depois deste teto, há o céu e o sol. Se vieres agora comigo, o mundo não vai acabar. Os prazos podem esperar, a vida não.
Vem. Temos todos os oceanos para atravessar. Temos momentos suspensos no futuro à espera que cheguemos para resgatá-los: um suco de açaí a caminho da mesa onde havemos de nos sentar no Leblon, uma massagista tailandesa a aquecer os pulsos e a espalhar óleo nas mãos que se vão dirigir às nossas costas, sol em Miami, neve em Estocolmo, chuva grossa e regeneradora em São Tomé, bagos gordos de chuva a rebentarem na terra fértil de São Tomé. Não encontro motivos para querermos menos do que o máximo com que podemos sonhar.

O telefone irá cansar-se de tocar sem que ninguém o atenda. A bateria de algum aparelho irá gastar-se. A tua secretária será como aqueles terrenos abandonados, onde começam a crescer ervas e que, ao fim de algum tempo, estão completamente cobertos de esquecimento e já ninguém se lembra como eram antes.
As canetas dentro do copo não vão sentir falta de ti. O relógio só tem poder se lhe deres poder, se acreditares que é poderoso. Por si só, o relógio não é capaz de nada. Por si só, o relógio é um objeto ridículo, feito de plástico e materiais pobres, com a função ridícula de repetir: tic, tic, tic.


Vem. Vem agora. Este é o instante exato em que apenas precisas de fazer um movimento simples. Levanta-te da cadeira ou dá um passo. Não te preocupes com mais. Depois, no instante que se seguirá, será necessário outro movimento, igualmente simples. E saberás sempre qual o gesto que dará seguimento ao anterior. Não é difícil. Deslocar-se no espaço corresponde a uma sequência de gestos. O movimento é uma ação contínua.
Vem. A pessoa que serás irá agradecer. Quando encontrares o teu reflexo num lago ou num espelho, quando reparares naquilo em que te transformaste, irás agradecer. Olhando para hoje, irás dar graças por, felizmente, teres sido capaz de tomar essa decisão. A vida não pode ser só isto, diz a voz que tens dentrode ti e que tentas abafar com fardos enormes de silêncio ou com uma mistura de vozes misturadas, como numa discussão em que todos querem falar.

Não queres envelhecer à espera. Precisas de sentir o vento. Precisas de sentir o tempo. Não o tic, tic, tic, não a hora de entrar e não a hora de, finalmente, sair. O tempo é outra coisa. Vem aproveitar o tempo.Eu sei, eu sei, eu sei. Tens mil razões que não te deixam aceitar este convite. Mas vamos acreditar por um instante que podes vir. Vamos acreditar por um instante que vens.

Ilustração por Vasco Colombo
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