Martim Sousa Tavares

“Um poeta argentino tem uma frase muito bonita:
Tudo o que a árvore tem de florido vem do que tem enterrado.”

Papa Francisco

Houve um momento em que Martim Sousa Tavares percebeu que queria ser maestro e um momento em que percebeu que não queria ser só maestro. Começou a tocar piano aos 8 anos. Teve vários professores particulares, tornando-se gradualmente um estudo mais sério. Aos 16, 17 anos, ainda antes da universidade, já tocava piano, mas não o sentia a sua voz. Não era a forma como se queria expressar na música, embora fosse claro que não queria largar a mesma. Aos 18 anos sabia que a música que mais gostava era a de orquestra. Considerava a sonoridade mais interessante e a forma de uma pessoa tocar numa orquestra é dirigindo-a. Decidiu tirar o curso de Ciências da Comunicação onde só ficou 3 semanas. Rapidamente mudou para Ciências Musicais. Considera que esta licenciatura foi importante porque era um curso virado para o pensamento e investigação, mas ainda não estava satisfeito. Dali saiu e foi para Milão, em Itália, tirar uma licenciatura, agora sim, em Direção de Orquestra.

Chicago é o novo destino para tirar o Mestrado em Direção de Orquestra. Estava há 6 anos fora de Portugal. Acabava de terminar o mestrado na Bienen School of Music, escola de topo com reconhecimento mundial onde entram muito poucos alunos por ano: um para mestrado e um para doutoramento. Dedicada à performance musical e académica, esta Escola é uma espécie de acelerador de carreira. As orquestras daquela zona, do Estado do Illinois, começaram a convidá-lo para fazer concertos e a sua vida estava a encarreirar. Nessa altura, compreendeu que se encontrava numa espécie de ponto de não retorno, em que seria inevitável cortar os laços com Portugal.

“Embora a cidade onde estava e todo o meio fosse muito estimulante, tive pena de pensar que não regressaria a Portugal. Senti que o impacto que poderia ter lá, era dar-lhes mais do mesmo. Não iria fazer assim tanta diferença. Pensei que em Portugal teria mais espaço para criar projetos fora da caixa, como o da Boca do Lobo no Lux/Frágil ou a criação da Orquestra Sem Fronteiras. Queria tentar e em Portugal havia espaço. Foi uma decisão incompreendida pelos meus colegas. Era como se estivesse em Lausanne a estudar com os melhores químicos e decidir vir para Portugal abrir uma farmácia de aldeia. Tomei esta resolução porque tinha uma rede e dei-me a mim próprio um ano para conseguir alavancar os meus projetos. Por que se decidisse voltar ainda teria oportunidade de retomar. Atirei-me de cabeça, vesti a camisola. Hoje reconheço que até com alguma ingenuidade. Foi quando fundei a Orquestra Sem Fronteiras. Tinha acabado de fazer 26 anos.” Martim é Fundador e Diretor da Orquestra Sem Fronteiras desde 2019, e o projeto vencedor do Prémio Carlos Magno para a Juventude em 2022, uma iniciativa do Parlamento Europeu para premiar os valores de união na Europa.

Houve e há muito trabalho para que o seu investimento académico e ensinamentos deem frutos, para que os projetos aconteçam. O seu reconhecimento advém de mérito próprio e sobressai nesta fase de cultura do vazio que o nosso país vive. O convite, agora público, para ficar à frente da Orquestra Clássica do Sul, acontece depois de meses de conversações e no seguimento de dois concertos que realizou há um ano com a orquestra. Foi por vontade dos músicos e da Direção que o convite surgiu, com o intuito de trazerem alguém com ideias novas, de uma geração mais fresca e arejada.

Para o jovem maestro, a sintonia entre todos é uma vantagem, uma vez que o seu trabalho pressupõe para além dos ensaios, concertos e da programação da temporada, as funções de estratega de comunicação e ação com o objetivo de criar impacto, visibilidade e alcance, assim como aumentar os seus recursos. Neste momento, esta é a única orquestra profissional que aceitaria dirigir em Portugal. Considera um desafio feito à sua medida porque o que têm a dar e retirar mutuamente é muito. As orquestras regionais não têm casa, são de uma região. Neste caso maioritariamente do Algarve, mas englobam o Alentejo e a Andaluzia e têm de trabalhar diferentes públicos, conseguir estar presentes no meio rural, urbano e turístico. A sua anterior experiência com a Orquestra Sem Fronteiras, possibilitou-lhe um entendimento para uma melhor intervenção. Habituado a trabalhar no interior do país com os chamados não públicos está agora à frente de uma orquestra com uma estrutura sólida.

“ESTE É UM SALTO, MAS UM SALTO LÓGICO. ESTA CASA É PERFEITA PARA EXPERIMENTAR AS MINHAS NOVAS IDEIAS, DAR-LHES ESCALA, SER UM LABORATÓRIO. QUERO INTRODUZIR A LIGAÇÃO ÀS COMUNIDADES
E TERRITÓRIO, A QUESTÃO DA MEDIAÇÃO, DA PEDAGOGIA, ALAVANCAR NOVOS PÚBLICOS E TER UMA PROGRAMAÇÃO RELEVANTE, ATUAL. VOU COM CERTEZA FUGIR DOS PREVISÍVEIS CONCERTOS DE ANO NOVO COM AS VALSAS DE STRAUSS OU DAS FÉRIAS DE NATAL COM O QUEBRA NOZES DE TCHAIKOVSKY. CONSIDERO ESSAS ESCOLHAS BARROCAS, SÃO A REPETIÇÃO DO ESTEREÓTIPO. EU QUERO QUESTIONAR AS CONVENÇÕES.”

O primeiro concerto será em janeiro e, por vontade mútua, Martim Sousa Tavares fará 50% dos concertos, o que considera importante para poder manter um bom grau de conhecimento, proximidade e identidade. Convidará outros maestros para conduzirem os restantes concertos. A ideia será realizar tanto concertos em grande escala, como também pequenos e regionais. Irá aplicar o conhecimento que adquiriu nos últimos anos e trazer a sua filosofia para a prática. “O importante é que, por exemplo, populações de pequenas aldeias em risco de exclusão máxima possam ter acesso à música clássica através de alguns músicos, mesmo que não tenham acesso à orquestra.”

A sua grande referência é o músico Leonard Bernstein: “Há uma frase sobre ele que refere que foi o melhor pianista dos maestros, o melhor maestro dos compositores e o melhor compositor entre os pianistas, é uma espécie de estrela ente as estrelas. Ele nunca se via a si próprio como só uma coisa. Tanto escrevia sinfonias em estilo clássico ou de música contemporânea vanguardista, como o West Side Story ou os episódios Young People Concerts com a Filarmónica de Nova York. Bernstein é o exemplo mais brilhante que há de trazer pessoas para a música clássica, usar a imaginação como alavanca ou, numa perspetiva mais intelectual, The Unanswered Question: Six Talks at Harvard, um exercício de pensamento profundíssimo, rico e complexo. Quando lhe apetecia escrever música, escrevia, quando lhe apetecia dirigir, dirigia e era maestro de uma das melhores orquestras do mundo. Revejo-me nele, nessa forma inquieta e experimentadora de fazer as coisas, sem vergonhas. Era um visionário na sua época.

Martim Sousa Tavares gosta de inovar, colaborar com artistas de outras áreas e sente necessidade de fazer outras coisas que não sejam só conduzir uma orquestra. Para ele, é fundamental que haja uma evolução criativa na forma de pensar: “Com a Orquestra Clássica do Sul quero trabalhar com vários artistas, como, por exemplo, com o algarvio Dino Santiago, mas de uma forma recíproca. Mais do que acompanhar com a orquestra, espero poder criar em conjunto. Gostava de resgatar o repertório ligeiro dos anos 40 e trabalhá-lo, trazer para este espaço o fadista Pedro Flores e a Carolina Deslandes, que para mim é a melhor voz feminina portuguesa. O meu sonho era poder fazer este mesmo trabalho com os Radiohead, que considero a melhor banda do mundo, e o Thom Yorke, uma mente brilhante. Oiço imenso Capitão Fausto, são a minha banda preferida, e também adoro ouvir uma playlist que o spotify tem chamada indie português.”