Um Homem Inofensivo

POR SUSANA JACOBETTY. FOTOGRAFIA JOÃO BETTENCOURT BACELAR

O Teatro Aberto e a Sociedade Portuguesa de Autores, realiza todos os anos um concurso para estimular a escrita para teatro e, o prémio é a peça ser levada à cena. Luís António Coelho foi o vencedor de 2022 com o texto, Um Homem Inofensivo. Álvaro Correia foi convidado para encenar, Renato Godinho e Filipe Vargas, foram os atores escolhidos para representarem durante mais ou menos uma hora, este jogo de atores, intenso e intimista.

A peça cresce a partir de uma premissa irreal e, é um salto que o pública tem de fazer logo no princípio. Renato Godinho interpreta o personagem Renato, um homem perturbado, invejoso e vingativo, enquanto Filipe Vargas encarna Rui, uma personagem aparentemente quieta, de uma tranquilidade abusiva. A peça faz-se deste encontro entre duas pessoas, em sofrimento e principalmente sós.

“O Renato tem uma certa frustração com o mundo e com o fato de muitas pessoas serem desinteressantes e desinteressadas, apesar dele viver de uma maneira que não corresponde com a minha, há algumas coisas que ele diz, não na forma, mas no conteúdo, que empresto à minha personagem. É um homem muito ressentido e eu não me identifico nada com isso, mas consigo relacionar-me com a sua falta de identificação com o mundo. Experimento-me em como será viver esta frustração de forma tão amarga. Gosto de pensar que o represento com verdade, mas não me misturo enquanto indivíduo.

É sempre diferente fazer esta peça, porque somos só dois, por isso estamos mais exposta ao pormenor, à nossa energia individual, é uma peça pouco assente em movimentações. É principalmente um jogo de atores, embora seja cansativo, denso, palavroso, plásticamente monocromático, é um espectáculo com muitas cores cá dentro e, muito prazeroso de interpretar. Gostamos tanto de fazer esta peça, tudo o que antecede ao espetáculo e no pós espectáculo, adoramos a equipa e toda a sua envolvente. Tem sido uma partilha muito bonita, é um cansaço ótimo.

Para mim, o tema da peça, talvez seja o encontro na diferença, na solidão e, como duas pessoas sós podem estar em conjunto a desconstruir essa mesma solidão, num mundo tão intolerante à diferença. Penso que para o público pode ser um exercício muito estimulante, ver como duas pessoas tão distintas, tão solitárias se podem encontrar, mesmo que pontualmente. Ver esse jogo de atores, é muito interessante.”

Renato Godinho

“Quando li o texto pela primeira vez, achei logo que era um texto interessantíssimo de fazer, por ser aberto a muitas interpretações e também por ser um desafio para nós enquanto atores, somos só duas pessoas em palco. Na minha personagem há uma espécie de tentativa de ver as pessoas pelo lado mais positivo, é uma pessoa com menos ressentimentos, menos rancores, que tenta alcançar uma harmonia, mesmo que lhe seja doloroso e que venha de um lugar de trauma. Mas a tentativa dele para superar, está precisamente nesta tentativa de encontrar um entendimento entre todos. E eu consigo identificar-me em alguns momentos com o Rui.
Um trabalho que desenvolvi e considero muito interessante, foi a nível de corporalidade. Eu, Filipe, falo imenso com as mãos e, o Rui, a minha personagem, é muito contido. Na minha interpretação da personagem, o Rui pode ser uma pessoa ou uma consciência. Será esta peça uma conversa entre a personagem do Renato com ele próprio, ou são realmente duas pessoas que ali estão. Para mim, é uma conversa num momento de viragem na vida do Renato. E como eu acho que a minha personagem não existe fisicamente, tentei anular-lhe a fisicalidade, o que foi um enorme desafio como ator, poder passar essa intenção como algo natural e não rígido.
É importante referir que é a primeira vez que faço um espetáculo em que a partir do momento que começa a peça, estou sempre em cena até ao seu final. Sinto uma espécie de vertigem, é como suster a respiração. O que me ajuda a manter-me concentrado durante a peça é exatamente a concentração do público. O seu silêncio sente-se muito. Nesta sala o público está muito presente, está a poucos metros de cena do palco e, nós sentimos a sua concentração. Porque toda a situação do texto que interpretamos é muito bizarra, a concentração do público é imediata.”

Filipe Vargas

 

Se ainda não teve oportunidade de ver esta peça, pode fazê-lo até dia 26 de Novembro de 2023, no Teatro Aberto.

Um Homem Inofensivo de Luís António Coelho, com encenação de Álvaro Correia, cenário de André Guedes, figurinos de Neusa Trovoada, desenho de luz de Manuel Abrantes e sonoplastia de Vitória. Com Renato Godinho e Filipe Vargas.

És um homem inofensivo?

Ninguém é inofensivo, todos nós temos a capacidade e a efetividade de fazer mal ao outro.

Filipe Vargas

Renato acorda a meio da noite e sente a presença de um estranho em casa. O estranho é Rui, um homem que diz ter entrado apenas para sentir o silêncio da casa. Renato procura decifrar os verdadeiros motivos da vinda de Rui a sua casa. Não pode ter aparecido só para conviver com o silêncio, pois o que tem o silêncio de tão especial?

São dois homens sós numa cidade. Longa é a noite e profunda a solidão. Na atmosfera de mistério que os envolve, tacteiam o terreno, aproximam-se e afastam-se, movidos pelo desejo de quebrar a distância e o medo de ficarem demasiado próximos.”

Teatro Aberto