
Tiago Passão Salgueiro é vice-presidente da câmara municipal de Vila Viçosa e vereador da Cultura, do Turismo, do Associativismo e do Património. Licenciado em Antropologia e mestre em Gestão do Património Cultural, depois de várias experiências profissionais, começou a trabalhar na Fundação Biblioteca da Casa de Bragança em 2006, onde esteve até há pouco tempo, na qualidade de investigador e assessor da direção do museu, antes de integrar o município, para o qual foi recentemente eleito. Nasceu em Évora na década de 1970 e, aos três meses de idade, muda-se com a família para Vila Viçosa. O pai, natural da Amareleja, e a mãe, das Alcáçovas, encontram aqui trabalho nos mármores. Considera-se um calipolense de gema, apaixonado por esta vila. Gosta particularmente da História de Vila Viçosa do século XVI.

“A presença dos duques de Bragança foi de uma importância fulcral, foi algo que mudou a configuração da terra do ponto de vista histórico, para além do legado de um passado glorioso”
Tiago Salgueiro

A nível cultural, qual é a missão de Vila Viçosa?
Em Vila Viçosa temos um legado patrimonial e histórico muito importante e que tem uma influência decisiva na formação da própria identidade calipolense. A componente cultural tem um forte impacto do ponto de vista turístico e queremos encontrar um equilíbrio entre ambas as vertentes, neste que pode ser o caminho, para uma maior visibilidade de Vila Viçosa. Desde o século XVI que esta é uma localidade conhecida devido a uma forte dinâmica cultural. A presença dos duques de Bragança na terra criou uma corte literária e artística, pelo que queremos remeter para essa realidade histórica através de iniciativas a vários níveis, como por exemplo a arte contemporânea. Há uma colaboração com a Fundação da Casa de Bragança que é fundamental e pode ser um grande motor de desenvolvimento para o futuro. Existe uma realidade que, do ponto de vista do património, é bastante importante e nós pensamos que alimentar essa identidade pode suscitar um reconhecimento desta atmosfera invulgar. Temos a preocupação de dar um maior destaque à componente cultura, trabalhando em parceria com as associações locais, tornando-a mais apelativa e mais democrática. Permitir que os outros conheçam as nossas particularidades é uma missão muito importante.


Que importância tiveram os duques de Bragança em Vila Viçosa?
Desde D. Nuno Álvares Pereira, pai do primeiro duque de Bragança, que a casa de Bragança é relevante em Vila Viçosa, mas é com a corte literária da família, que foi uma espécie de corte alternativa, que o Paço Ducal se tornou diferenciador. D. Jaime e D. Teodósio, quarto e quinto duques de Bragança, criaram uma corte que estava no centro da cultura no contexto europeu, era visitada por pintores, artistas, escritores, poetas…
A arte e a cultura tinham um papel preponderante na vida dos duques de Bragança?
Os duques patrocinaram sempre vários artistas, como a nível da pintura a fresco, em que todos os conventos de Vila Viçosa acabaram por ser uma espécie de laboratório dessas experiências. A elite artística da época vinha a Vila Viçosa. Esta era também uma forma de afirmação de poder dos duques que sempre desenvolveram uma estratégia, um pouco à sombra do poder real instituído em Lisboa, para criarem uma corte alternativa. A representação arquitetónica do Paço Ducal tinha esse efeito mobilizador.


A arte e a cultura tinham um papel preponderante na vida dos duques de Bragança?
Os duques patrocinaram sempre vários artistas, como a nível da pintura a fresco, em que todos os conventos de Vila Viçosa acabaram por ser uma espécie de laboratório dessas experiências. A elite artística da época vinha a Vila Viçosa. Esta era também uma forma de afirmação de poder dos duques que sempre desenvolveram uma estratégia, um pouco à sombra do poder real instituído em Lisboa, para criarem uma corte alternativa. A representação arquitetónica do Paço Ducal tinha esse efeito mobilizador.

O que mudou em Vila Viçosa quando o duque D. João II, oitavo duque de Bragança, se converte no rei D. João IV?
Em 1640, com a ida da família, agora família real, para o Paço da Ribeira em Lisboa, a dinâmica cultural perdeu-se. Eu costumo dizer que os Bragança sempre esperaram aqui, de forma serena, pacífica, alheados da realidade da corte em Lisboa, o momento certo para chegar ao poder. Para se perceber a importância da família basta olhar para o paço, construído no século XVI, mas não só. A situação única de várias embaixadas, como a do Japão, em 1584, chegarem a vir aqui, em pleno Alentejo e Isso foi fundamental para o desempenho cultural.

Em que medida a presença dos Bragança influenciou a sociedade calipolense?
Com eles vieram outras famílias com alguma relevância social, que aqui construíram os seus solares, como os Sousa da Câmara, os Sanches de Baena, os Caminhas, os Lucenas, entre outros. O que potenciou uma concentração de poder, de sabedoria e de cultura e fez com que Vila Viçosa se tornasse uma localidade completamente diferenciada no Alentejo.
Qual a ligação de Nossa Senhora da Conceição à casa de Bragança?
A ligação está em D. Nuno Álvares Pereira, que esteve na génese deste culto mariano e da casa de Bragança. A filha de D.Nuno Álvares Pereira casa com o primeiro duque de Bragança e a tradição diz que a imagem da Nossa Senhora da Conceição, que se encontra na Igreja de Santa Maria do Castelo, foi trazida por ele de Inglaterra e oferecida a Vila Viçosa. Mais tarde o culto volta a ser valorizado por D. João IV. Essa ligação subsiste até aos nossos dias, com a imagem de Nossa Senhora como entidade protetora de Vila Viçosa e de Portugal. Em sua homenagem, a partir de 1646, mais nenhum monarca português utiliza a coroa, porque pertence a Nossa Senhora rainha e padroeira de Portugal.
Independentemente do valor e do simbolismo associado à vertente religiosa é importante realçar a dimensão política desta estratégia. É excecional a nível Europeu e até mundial.


De que forma essa herança é valorizada?
O nosso objetivo é reavivar esse legado através da criação de centros interpretativos. Queremos, com as nossas unidades museológicas, perceber melhor como era Vila Viçosa nesse período. O grande segredo tem a ver com o passado. Por exemplo a Rua do Fidalgo ou do Corregedor ainda mantem os solares intactos. Hoje, percebe-se que houve uma estratégia de ordenamento do território urbanístico, retilíneo de inspiração italiana, que se manteve salvo algumas exceções. São todas estas vertentes que estamos a abordar no âmbito da nova estratégia na candidatura a Património Mundial da UNESCO.
Como pensam homenagear a poetisa calipolense Florbela Espanca?
Existem dois projetos a decorrer quase em simultâneo, um de índole privada e outro municipal. Um na Rua Florbela Espanca que remete para a vida e temática literária da própria poetisa, e outro do município que irá incidir sobre a realidade da família Espanca na sua globalidade.
E um Museu Florbela Espanca?
Foi adquirida pela câmara municipal, a casa, estúdio fotográfico e loja de antiguidades, de João Maria Espanca, pai da poetisa. Foi nessa casa que Florbela Espanca se casou e viveu. Estamos a musealizar o espaço. O João Maria deixou um legado importante. e existe um espólio considerável para enquadrartodos esses objetos e acervo, naquilo que é a ambição municipal de dar visibilidade à família Espanca. Queremos criar um circuito florbeliano em Vila Viçosa, que será integrado num projeto do Alentejo, que fará parte da rota do turismo literário.

Florbela Espanca, Vila Viçosa, século XIX. Fotografia João Maria Espanca.

Relativamente ao pintor calipolense Henrique Pousão?
Pretendemos no futuro criar uma parceria com o Museu Soares dos Reis, no Porto, no sentido de criar iniciativas culturais que possam remeter para a vida e obra do artista. Temos um espólio de referências e é uma dinâmica que pretendemos desenvolver.

A câmara também atribui prémios culturais?
Temos, precisamente, o Prémio de Pintura Henrique Pousão, assim como o Prémio Literário Florbela Espanca, instituídos pela câmara há mais de 30 anos.
Vão realçar este aspeto na candidatura à UNESCO?
É uma posição que queremos valorizar. Esta relação é extremamente importante e pode marcar a diferença. A nossa proposta conta realmente várias histórias em simultâneo.

Tiago Passão Salgueiro e padre Francisco Couto, reitor do Santuário de Nossa Senhora da Conceição.
“Toda esta cultura tem inerente o turismo”
Tiago Passão Salgueiro