
Embora só em 1588, segundo Clifford L. B. Hubbard, o Cão de Água Português tenha passado de cão pastor a cão pescador e, embora os nossos registos históricos nos digam que em 1588 o Cão de Água Português fazia parte da armada dos Descobrimentos, nas suas origens, e ao longo do seu percurso até chegar à Península Ibérica, as várias narrativas sobre a sua história dão- nos conta da sua presença no pastoreio, na caça, mas também no mar. São vários os episódios passados em barcos com as tripulações quer em situações de salvamento, quer de comunicação entre embarcações e captura de objetos, cujas referências temporais são muito anteriores a essa data.
Entre nós a primeira referência data da Idade Média, 1297, onde um monge falaria de um marinheiro moribundo que fora trazido do mar por um cão de “pelo negro e áspero, cortado até a primeira costela e com um tufo na ponta de sua cauda.”
No entanto, pensamos, e através do que a literatura nos mostra, que terá́ sido o povo fenício – que habitou o mediterrâneo entre 1500 e 300 a.C. – o responsável pela introdução destes cães com origens ancestrais asiáticas e africanas no território, que hoje se designa por Algarve, onde se viria a situar o nosso país.

Ch Pinehaven’s On The Town. American Kennel Club Library & Archives.
Tal como Susana Jacobetty nos diz no seu artigo sobre a História do Cão de Água Português, “Foram encontrados vestígios de cães de companhia e de apoio à pesca – os Canis Familiaris Aquaticus – que datam do século VIII. Nos Zendavesta, livros sagrados dos antigos Persas, o Cão de Água era o mais apreciado de todos os cães.” e fala-nos das referências ao Cão de Água na “civilização romana, o denominado Canis Leo, o Cão Leão,” .
Indiscutivelmente uma das raças mais antigas do mundo, o Cão de Água Português foi sempre descrito como um cão de trabalho, versátil nas tarefas que foi desempenhando ao longo da sua história e sempre referido como uma cão de grande inteligência e dedicação nos vários desempenhos que lhe foram sendo ensinados e pedidos, tendo gradualmente, e depois da sua fixação em Portugal, se constituído como cão ligado às Artes de Pesca artesanais.

Dylan Casa da Buba. da Frame de video de Rodrigo Pinto
“A pesca do alto fazia-se em caíques cobertos,de vinte e cinco a trinta toneladas, com duas velas triangulares. Este barco voava. Ia a Setúbal a Lisboa, às Berlengas, ao Porto e só voltava a casa no S.João, no Natal e nas festas grandes do ano. Tripulavam-no vinte e cinco homens e dois cães, que ganhavam tanto como os homens. E mereciam-no. Era uma raça de bichos peludos, atentos um a cada bordo e ao lado dos pescadores. Fugia o peixe ao alar da linha, saltava o cão no mar e ia agarrá-lo ao meio da água, trazendo-o na boca para bordo.”
Olhão, Agosto, 1922
Os Pescadores, Raul Brandão

Dylan Casa da Buba. da Frame de video de Rodrigo Pinto
A evolução tecnológica da Artes de Pesca, onde muitas das tarefas do Cão de Água Português estavam ligadas ao fator artesanal das mesmas, foi tornando a sua função desnecessária. Nos anos 30 do século passado os cães foram gradualmente desaparecendo da faina piscatória do Algarve. No entanto, e como curiosidade, num estudo feito por Margarida Ribeiro em 1972 em toda a costa portuguesa – o Cão de Água, Costumes dos Pescadores e Técnicas de Pesca – foram encontrados nessa data Cães de Água em várias outras zonas do país, que não só no Algarve.
Para além de Sesimbra, onde se mantiveram no ativo piscatório na pesca ao anzol da pescada e do peixe- espada, até 1968 (Museu Marítimo de Sesimbra), Margarida Ribeiro encontrou dois cães de água no rio Tejo, em Valada do Ribatejo, onde auxiliavam os avieiros na pesca à fataça e na caça de galinholas e de galinhas de água, na Figueira da Foz um na traineira sardinheira Mestre Gualdim, em Lisboa, na Doca de Pedrouços, um no arrastão Polo Norte, no rio Minho um, que trabalhava na pesca da lampreia, salmão e sável e na Praia de Vieira de Leiria encontrou dois que caçavam aves aquáticas.
Neste seu estudo, para além de perseguir o rasto do Cão de Água pela costa portuguesa, também se inteirou das tarefas desempenhadas pelo cão nas várias técnicas de pesca utilizadas em Portugal, nas embarcações das quais fazia parte integrante, na pesca costeira e do alto, mas também na pesca fluvial e até na caça lacustre. Mas foi Raul Brandão, na sua obra Os Pescadores, em 1923, que descreve pela primeira vez o Cão de Água e o seu trabalho nas várias técnicas artesanais de pesca.

Cais da Solaria. Fotografia Susana Jacobetty.
Exímio nadador e mergulhador, ao Cão de Água Português foram atribuídas tarefas nas Artes de Pesca que vão desde o mergulhar para recuperar objetos caídos ao mar, tarefas de salvamento, recuperação de peixes caídos das redes e que se soltavam dos anzóis, tarefa de alerta quando, na pesca do cerco, o cerco estava cheio de peixes e era hora de fechar o cilindro de rede na sua base, recuperação de redes, guardador de barcos fundeados, entre outras que estarão dispersas e, por isso, seria interessante recolher.
Estas tarefas, ensinadas pelo dono, em que o factor inteligência do Cão de Água e a relação estreita do seu dono com ele são o elemento essencial na aprendizagem e no ensino do cão, estão impressas no seu ADN, nos seus genes, conferindo-lhe uma apetência natural para o mar. O apelo dessa aprendizagem deve ser constante à inteligência do cão no ensino de uma tarefa, cuja repetição deve acontecer em circunstâncias idênticas, mas nunca iguais, para criar no cãoa capacidade de resolver o mesmo problema, a mesma tarefa, quando as circunstâncias são diferentes.

Dylan da Casa da Buba. Fotografia Rodrigo Pinto.
Desta forma, a resposta do cão ao que lhe é pedido e mandado fazer, não será só a obediência ao seu dono, que seria uma resposta tipicamente pavloviana, mas sim, e principalmente, uma resposta dada com base na compreensão do que lhe é pedido, em sintonia com o objetivo final desejado pelo dono.
O Cão de Água Português tem esta capacidade, e necessidade, de entender o que lhe é pedido para realizar a tarefa e, em função disso, adaptar-se à circunstância tendo como apelos no cumprimento da mesma, a simpatia que tem pelo dono e a satisfação que tem em o atender e assim concretizar o desejo do seu dono. A obediência pela obediência não é, de facto, o que move as reacções do Cão de Água à aprendizagem são provocadas pelo estímulo da empatia e da simpatia entre o dono e o see, no seu extraordinário desempenho na água, o Cão de Água Português. As respostasu cão e, também por isto – a criação e desenvolvimento de uma relação sólida, de privilégio e de confiança, o instrutor do cão deve ser sempre o dono e, consequentemente, a mesma pessoa. O trabalho na água que o Cão de Água fazia conferiu- lhe ao longo dos tempos características tão especiais quanto exclusivas, inscritas no seu ADN e transmitidas de gerações em gerações; com a sua passagem de cão de trabalho a cão de companhia cria-se o risco de se poderem perder e o mesmo será dizer, de se poder perder a essência do Cão de Água Português. Cientes desse risco – a descaracterização do Cão de Água Português – desde sempre nos propusemos, enquanto criadores da Casa da Buba, a manter nos nossos cães essa essência, que tem na sua base a relação e o contacto precoce com o mar, e estimular nos amantes do Cão de Água Português a permanência do mar na vida dos seus cães.

Linda da Casa da Buba. Fotografia cedida por Rodrigo Pinto .
Em exposições caninas portuguesas, fomos vendo, de entre os Cães de Água Portugueses de vários países, os que, por hipótese, tinham vivência de água e os que não teriam. A atitude e a postura do Cão de Água Português, na nossa observação dos cães oriundos do Norte da Europa, embora bonitos, cumpridores, bem educados e treinados, não denotava o entusiasmo que é habitual no cão que está habituado ao trabalho em água, no desempenho que lhe é solicitado pelo seu dono para outras tarefas que não as de água.
Arriscamos dizer, com absoluta convicção, que o Cão de Água Português que tem uma relação constante com o mar e com o trabalho na água, que é estimulado regularmente por desafios que suscitam nele o seu “ADN marítimo”, desenvolvem e mostram uma postura corporal, uma atitude de confiança, coragem, perscrutação e alegria diferente da atitude, ainda que a beleza e o temperamento cordato se mantenha, dos que não vivem esses desafios e não têm essas vivências.

Cais da Solaria. Fotografia Rodrigo Pinto .
Em conversa com os donos desses cães sobre o trabalho na água praticado por eles, constatámos com os próprios donos que o Cão de Água Português nos países nórdicos, embora pudesse ir ao marou ao lago, fazia por diversão “por ser um cão de água”, mas não para trabalhar na água.
A razão dada por esses donos para não trabalharem em água os seus cães, segundo os próprios, tinha a ver com o facto de o Cão de Água Português ser um cão do Mediterrâneo e por isso teria frio tanto nas águas nórdicas, como quando voltasse a terra, devido as características climáticas desses países. A razão seria, então, a não-habituação do Cão de Água Português a baixas temperaturas tanto do mar como fora dele.
Mediante as explicações que demos, nomeadamente sobre a capacidade do Cão de Água Português se adaptar à temperatura da água e à de fora de água, surgiu a ideia de podermos realizar nesses países, nomeadamente na Noruega, demostrações que promovessem o trabalho na água dos cães e ao mesmo tempo se começassem a realizar provas de trabalho na água nesses países

Fotografia João Bettencourt Bacelar
A primeira dessas demonstrações, na Noruega, em que nos fizemos acompanhar pela Linda e pelo Dylan, cães de água portugueses da Casa da Buba, aconteceu em 24 e 25 de agosto de 2012 num fiorde em Oslo e estiveram presentes 12 cães de água portugueses.
Tendo como co-formadores a Linda e o Dylan, dois dos nossos Cães de Água Portugueses de grande perícia e qualidade de trabalho na água, dedicámos o primeiro dia à parte teórica do trabalho na água e ainda realizámos uma abordagem à entrada em água como primeira experiência de todos, cães e seus donos, na água, em conjunto, pois para o nosso cão o trabalho na água é sempre feito, e só assim tem sentido para ele, em parceria com o seu dono.
No segundo dia, sempre em co-formação com a Linda e o Dylan, vivenciou-se a relação do cão com a água na inter-relação com o seu dono em meio aquático. Puseram-se em prática os conhecimentos adquiridos no primeiro dia, no que diz respeito aos instrumentos, às tarefas e às ordens a dar.

Linda e Dylon da Casa da Buba. Fotografia Rodrigo Pinto.
No final destes dois dias realizou-se uma prova para simulação de uma competição de WATER TRIAL.
Como resultado do sucesso que foi a experiência e a aprendizagem que os noruegueses desenvolveram com estas demonstrações, nomeadamente o impacto que tiveram ao constatarem as características e possibilidades do Cão de Água Português no trabalho em água e a sua capacidade de habituação à temperatura fria da água e à temperatura fria do ar, desfazendo assim a ideia que tinham de que as suas condições atmosféricas não seriam propícias para levarem o cão ao mar, outras edições desta formação aconteceram por outras cidades norueguesas para darmos a conhecer pelo país a possibilidade que estes cães teriam na Noruega de serem verdadeiramente, em toda a sua plenitude, Cães de Água Portugueses, mantendo neles a sua essência.
Em Junho de 2013, repetimos esta formação por 3 cidades norueguesas no Oeste, Este e Norte e, no seu conjunto tivemos 48 cães a participar. Esta segunda formação, com a sua divulgação, deu a conhecer a outros países do norte e do centro da Europa a possibilidade de formação no âmbito do Trabalho em Água do Cão De Água Português. Assim, realizámos nos anos seguintes a mesma formação na Finlândia, na Holanda e na Suíça.
Nos dois primeiros países o objetivo foi dar a conhecer o trabalho em água dos nossos cães e tudo o que lhe é inerente. Na Suíça o objetivo foi o de promover e implementar a TRIAL WATER a nível internacional e, por isso, esta formação teve uma dimensão internacional, com a participação de muitos países que não só a Suíça. Daqui resultou uma WATER TRIAL Internacional na Suíça, que foi homologada quer pelo Clube de Canicultura Suíço e pela Federação Cinológica Internacional. A Suíça, transformou-se assim, no primeiro país a realizar Water Trials fora de Portugal, na Europa, homologadas pela Federação Cinológica Internacional.

Fotografia João Bettencourt Bacelar
Esta experiência deu a conhecer a essência do Cão De Água Português – trabalhar em relação biunívoca com o seu dono em água – desde os seus primórdios até hoje, em países que, embora sabendo desta característica dos nossos cães, desconheciam a possibilidades de a desenvolverem fora de condições atmosféricas diferentes do seu país de origem, considerando que fora delas o Cão de Água Português não estaria preparado para as desenvolver e aplicar.Sejam quais forem as condições atmosféricas e outras até, o Cão de Água Português mantém no seu ADN esta característica – trabalhar em água em cooperação com o seu dono, mesmo que hoje, devido à sua passagem de cão de trabalho a cão de companhia por transformação das artes da pesca e sua modernização, já não as pratique diariamente.
O facto de o trabalho em água estar registado no seu ADN, pela ancestralidade da sua função e pela passagem por hereditariedade aos seus descendentes, dá a possibilidade ao nosso cão, quando estimulado e desenvolvido, de a manifestar, pôr em prática e exercer, como se nunca o tivesse deixado de fazer, pela memória filogenética que a raça possui.

A adaptação do cão de água ao meio aquático, mais concretamente ao mar, faz-se num processo faseado, por etapas, cujos objetivos e a metodologia de trabalho em tudo devem seguir a forma como os pescadores ensinavam os seus cães para a faina piscatória cuja conceção descrevemos na introdução que antes fizemos..
O PRIMEIRO dos objetivos é criar uma relação de empatia, simpatia e cumplicidade entre o dono e o seu cão, na água, que denominamos de CONFIANÇA MÚTUA, e que em última análise podemos definir da seguinte forma: em perigo salvam-se um ao outro.
O SEGUNDO OBJECTIVO é o de mostrar ao dono, ensinando-o como fazer, como o seu cão se adapta à água, à temperatura da água e ao prazer que retira
de estar em água, ao mesmo tempo que o cão aprende a sentir-se seguro no mar, nadando em qualquer direção sem medo e ansiedade.
O TERCEIRO OBJECTIVO é mostrar ao dono, e ao cão, as habilidades que o cão é capaz de fazer em água, ou seja, o trabalho na água que o Cão de Água Português transporta no seu ADN – nadar, mergulhar, reter a respiração e abocanhar e arrastar objetos com a boca, entender e desempenhar tarefas em água.
O QUARTO OBJECTIVO prende-se com as provas competitivas em água – WATER TRIAL – que mantêm viva a função que o Cão de Água Português teve junto dos pescadores e por inerência, a sua essência. Ou seja, é preparar o cão e o dono para a competição em água, utilizando os instrumentos das provas, o processo de comunicação da ordem a executar e o desempenho exigido ao cão.

Frida da Casa da Buba. Fotografia João Bettencourt Bacelar.
METODOLOGIA DE TRABALHO
Mostrar os brinquedos e as tarefas que lhes estão inerentes:
– Maço em madeira
– Cabo com boias
– Rede
– Objeto de submergir
– Tarefas do cão para cada um desses objetos.
Subjacente a estas tarefas, o Cão de Água Português tem, como especificidades próprias da raça, o saber nadar para o seu desempenho, o saber interpretar o estado do mar para agir em concordância, o saber mergulhar na vertical em profundidade e o de obedecer ao seu dono descobrindo, depois de saber o que e como fazer, a melhor forma de desempenhar o que lhe pedido de modo a rentabilizar o desempenho.

Dylan da Casa da Buba. Fotografia Rodrigo Pinto.
NADAR
• Nada sem chafurdar, nada completamente na horizontal com movimentos alternados vulgo “bruços”, imprime movimentos diferentes para velocidade
e para força e desloca-se na horizontal lateralmente, modificando a forma de mover os membros.
MERGULHAR
• Mergulha, e progride em profundidade, verticalmente até ao objetivo.
• Quando vem ao de cima, surge no mesmo sítio onde mergulhou.
• Fecha a glote totalmente, mantendo-a fechada independentemente do que tenha para fazer com a boca, com a boca como, por exemplo, apanhar objetos submersos e puxar cabos.
• Mergulham e permanecem de olhos abertos debaixo de água.
OBEDECER
• Necessita de saber o que vai fazer – verbalização
da ação, antes de iniciar e a concretizar.
• O dono deve tomar a dianteira nas diferentes ações que quer que o cão faça, sendo assim o primeiro a executar.
• Num grupo de pessoas no qual o cão está integrado, existe uma hierarquia definida pelo próprio cão escolhendo o comandante, ao qual se referencia em primeiro lugar e em qualquer circunstância.
• Mudando o contexto e o grupo habitual, o comandante é escolhido de acordo com o novo contexto e a nova hierarquia.
• Obedece a funções distintas seguidas umas das outras, passando de umas para as outras sem se desfocar do objetivo final que deve concretizar.

Dylan da Casa da Buba. Fotografia Rodrigo Pinto.
TRABALHO NA ÁGUA
Dentro de água, há que desenvolver a inter-relação cão-dono e vice-versa para criar confiança mútua, como primeiro fator a ter em conta e como era feito pelos pescadores no processo de ensino dos seus cães.
Nadar com o cão, agarrar-se ao cão – mostrar ao dono a capacidade do cão e tornar o dono como um parceiro. Esta realização conjunta imprime ao nosso cão o sentido da tarefa a realizar e o prazer de o fazer para o seu dono, dando ao cão a noção do cumprimento do realizado.
Factos constatados na nossa experiência de trabalho na água diário com os nossos cães e no contacto com antigos pescadores que fomos conhecendo com quem conversámos nas nossas visitas com os nossos cães a residências de idosos.
O Cão de Água Português tem uma postura e uma atitude diferente quando é educado e treinado na sua relação com o mar e com as suas tarefas em meio aquático, dos cães da mesma raça criados como cão decompanhia, mesmo que exercitado com tarefas de estimulação.
Um Cão de Água Português que não é trabalhado em água diferencia-se do que é trabalhado em água na forma como cumpre a sua tarefa e o que lhe é pedido. O primeiro cumpre por treino de obediência estritamente o que lhe pedem para fazer, o segundo cumpre por entendimento do objetivo do que lhe é pedido e encontrando a melhor forma de o fazer.
O Cão de Água Português tem a capacidade de transferir a forma como desempenha o trabalho na água, que ele executa para o dono e em cooperação com o dono retirando disso muito prazer, para as provas de exposição integrando-as como se fosse mais um trabalho a realizar, fazendo com que realize essa tarefa também em parceria e desempenho mútuo com o dono, durante a sua execução.

Gorila e Golden da Casa da Buba fotografia João Bettencourt Bacelar.
O Cão de Água Português, para além da sua essência de cão de trabalho na água, tem outra que é a relação e processo de comunicação com o humano que
dele cuida: reconhece esse ser humano como figura de referência ao qual se vincula para sempre e perante qualquer circunstância, enquanto a relação durar. Essa essência, que resulta da primeira, torna o nosso cão parceiro indelével do seu humano.
O Cão de Água Português tem a capacidade, e o propósito internalizado, de observar a situação previamente, para depois resolver o problema e rentabilizar o seu desempenho nas tarefas de trabalho. Esta capacidade é superior, em competência, à capacidade de obedecer e por isso deve ser valorizada, avaliada e considerada em detrimento da valoração exclusiva da obediência.
O Cão de Água Português está em constante processo de comunicação com o seu dono e “diz-nos” tudo o que quer, o que sente e o que entende do que comunicamos com ele. Neste processo de comunicação, a palavra tem especial ênfase e deve ser um dos mediadores de ensino do nosso cão.
O Cão de Água Português, pela sua inteligência e pelas variadíssimas tarefas que foi desempenhado ao longo da sua filogénese, é um cão verdadeiramente eclético como cão de trabalho, desempenhando qualquer tarefa para a qual é ensinado e sempre com o mesmo entusiasmo.
O Cão de Água Português tem a possibilidade e a capacidade de desenvolver competências para fazer, e não só em água, mais do que uma tarefa em simultâneo, ou na sequência uma das outras.
O Cão de Água Português castanho e preto tem apetências diferentes para o trabalho na água em termos de aprendizagem e realização.
O Cão de Água Português é um cão a dois ritmos que vão de 0 a 1000. Sentado na proa do barco, a zero e a mil no cumprimento rápido da ordem a executar.
O Cão de Água Português, como cão de guarda, tem 3 níveis de alertam que advêm da sua experiência de trabalho em água. Primeiro informa com um rosnar leve, depois empertigam-se e eriçam o pelo e por último atacam se houver invasão.
No trabalho do Cão de Água Português com os pescadores, não interessava a idade, mas a forma física era o mais importante e o que determinava a idade da reforma. Quando reformado ficava em casa com as crianças, mas a ida à praia na hora da chegada do dono era sagrada. O relógio estava dentro dele e a essa hora lá estava ele à espera do dono.
Podemos dizer seguramente que o nosso Cão de Água Português tem na sua base, por suposto como qualquer raça, elementos culturais ligados ao trabalho, ao mar, aos barcos e aos pescadores, comandantes, mestres e arrais das diferentes fainas por onde passou e trabalhou. Esses elementos culturais, que lhe dão as características que tem, as capacidades que demonstra ter e a competências que mostra possuir nas tarefas e desempenhos que realiza e que fazem deste cão o ser extraordinário que é na relação com o humano e no trabalho na água, dão-lhe a plasticidade que mostra ter no ecletismo nos seus desempenhos.
Não desvirtuar esta caraterística tão própria da sua cultura, que é simultaneamente a sua ESSÊNCIA, passa por manter viva no Cão de Água Português a sua relação com o trabalho na água, cabendo aos seus reprodutores e aos seus donos prepará-lo e desenvolvê-lo nesse sentido, que foi durante séculos a sua missão na nossa sociedade.
Rodrigo O. Pinto
