Urban (R)evolution em Lisboa

Por Susana Jacobetty. Fotografia João Bettencourt Bacelar

A Everything is New e a Underdogs apresentam Urban(R)Evolution, um projecto único patente na Cordoaria Nacional, em Lisboa, entre os dias 21 de junho e 3 de dezembro, e que reúne alguns dos mais consagrados e relevantes nomes da Arte Urbana mundial.

São 18 nomes nacionais e internacionais, sob a curadoria de Pauline Foessel e Pedro Alonzo, que irão expor instalações originais nesta que será a maior exposição de Arte Urbana em território nacional.

±MaisMenos± [PT]; Add Fuel [PT]; AkaCorleone [PT]; André Saraiva [SE-FR]; Barry McGee [US]; Felipe Pantone [AR-ES]; Futura [US]; Jason Revok [US]; Lee Quiñones [PR-US]; Martha Cooper[US]; Maya Hayuk [US]; Nuno Viegas [PT]; Obey SKTR [PT]; Shepard Fairey [US]; Swoon [US]; Tamara Alves [PT]; Vhils [PT]; Wasted Rita [PT] formam o lineup de luxo deste ambicioso projecto que nasce de uma parceria única entre a Everything is New e a Underdogs.

Akacorleone, Tamara Alves, Pauline Foessel e Alvaro Covões na apresentação da exposição Urban(R)Evolution na Underdogs

Urban(R)Evolution narra o fascinante desenvolvimento da arte urbana, começando pelas suas fases iniciais na forma de tags, graffiti e pinturas no Metro, progredindo através do influente período intermediário até, eventualmente, dar origem à street art. Esta arte desenvolveu-se inicialmente com base na tinta spray e pasta de trigo, mas rapidamente evoluiu para incorporar várias técnicas de todo o mundo.

A baixa barreira de entrada, requerendo que os artistas aprendessem nas ruas em vez de academias exclusivas, permitiu uma participação ampla nas três disciplinas distintas de música, dança e pintura, que haviam permanecido maioritariamente inacessíveis até ao final da década de 1970 e início da década de 1980. Ideias, moda, música, dança e imagética da arte urbana infiltraram os media, tornando-se um aspeto definidor da cultura popular. Esta fascinante evolução é apresentada através da perspetiva aguçada da conceituada fotógrafa Martha Cooper.

A dimensão, diversidade e componente experiencial da exposição foram fatores decisivos na escolha da Cordoaria Nacional, sendo um dos espaços expositivos em Lisboa com mais amplitude e flexibilidade, tendo já acolhido exposições de calibre internacional, designação em que se enquadra também a Urban(R)Evolution.

Álvaro Covões

Everything is New

A cultura é uma indústria que contribui para o grande motor da economia: o turismo. Portugal, em geral, e Lisboa, em particular, precisam de conteúdos atraentes e os portugueses necessitam de ganhar mais hábitos culturais. Na Everything is New há vários anos que desenvolvemos projetos culturais. É um tema que nos atrai muito. Gostamos de tratar a arte como se fosse um concerto dos Coldplay. É preciso chamar a atenção das pessoas, trazer aquele público que não frequenta os espaços culturais, fazê-los entender que a cultura é algo enriquecedor e muito importante para todos nós. Só assim vamos conseguir criar um ecossistema cultural. A cultura tem de ser, cada vez mais, independente e, para isso, o mais importante é tornar-se autossustentável, e é fundamental ganhar público. Este projeto é uma (R)evolução que demonstra que a cultura continua ser um setor independente da política. A arte urbana é talvez o projeto mais revolucionário do século XX, porque a liberdade dos artistas era absoluta, podiam expressar-se livremente e sem critério de seleção, democratizando a cultura.

Esta exposição creio que acaba por ser uma homenagem a todos esses artistas que nasceram do nada. É curioso que a arte urbana em Portugal, que está fora das políticas educativas, seja uma das áreas da cultura, assim como o fado, com mais artistas com projeção internacional. Hoje em dia qualquer jovem que queira ser artista pode acreditar que é possível, desde que tenha talento e sorte. Os hábitos de cultura em Portugal são dos mais baixos da Europa, é importante criar conteúdos que possam levar as pessoas a visitar museus, incentivá-las a ler mais, e é com este tipo de experiências que se consegue envolver as famílias, de forma a que possam ser mais felizes no mundo. Os hábitos culturais estão diretamente relacionados com a criação de riqueza. Em Portugal os economistas referem que cada vez se produz menos riqueza. Em relação à Europa, todos os anos descemos um degrau e qualquer dia estamos em último lugar.

Os países que criam mais riqueza são os países que criam mais hábitos culturais. Quando um povo tem mais acesso à cultura, mais riqueza produz.

É fundamental estarmos hoje aqui por causa desta exposição, estamos a contribuir para incentivar o aumento dos hábitos culturais, e suscitar a vontade dos portugueses em se enriquecerem pessoalmente, porque a cultura é isso que nos faz, permite-nos viver melhor.

Embora a temática da cultura me seja muito querida, não somos patrocinadores, o retorno financeiro é imprescindível  para continuarmos neste projecto e apostarmos cada vez mais nesta área. Desde o início foi isso que nos impulsionou. O investimento que se faz para uma exposição destas é fortíssimo e é financiado fundamentalmente pela bilheteira. A dinâmica funciona como nos festivais, quando o conteúdo é bom, corre bem. O nosso maior investimento é sempre no conteúdo, no produto. Nós acreditamos que as pessoas vão querer visitar esta exposição.

É fundamental termos conteúdos para oferecer aos turistas em Portugal, como também aos portugueses. Quando existe um bom conteúdo, atraímos também um público novo, que viaja de propósito para estar em determinado evento. Para os que já cá estão oferecemos a oportunidade de visitarem a exposição. Acredito que os conteúdos são muitas vezes o fator decisivo para a escolha de um destino. Na Everything is New todos os dias vendemos bilhetes para o estrangeiro. As pessoas escolhem um conteúdo e organizam as suas férias à volta desse evento.

Nas exposições que organizamos, fazemos sempre uma visita especial e uma entrevista ao último visitante. Temos a preocupação de melhorar a experiência do visitante à medida que o evento vai acontecendo e, acima de tudo, estar lá no último momento, em festa, a celebrar todos juntos.”

Tamara Alves

Artista

“O meu desejo é que a minha peça crie uma ligação direta com o espetador, que fale com ele. Será uma instalação imersiva com som e luz e espero que o público faça parte da obra.

Penso que deveria haver uma sensibilidade desde o início para a arte e para os artistas. As crianças devem ter mais acesso aos museus e às galerias. Eu cresci no Algarve, na praia do Carvoeiro, onde não havia oferta cultural. É necessário criar condições para que haja essa oferta fora dos grandes centros urbanos, sensibilizar e criar o hábito de visitar exposições. Felizmente tive pais que me levavam ao Centro Cultural de Lagos com frequência e a Lisboa, à Gulbenkian, e fazíamos a linha de comboio para ver os grafiti, era eu ainda muito pequenina. Este acesso em tenra idade é fundamental. A arte tem de ser mais democrática.

Quando disse que queria ser artista, os pais tiveram medo, porque eles próprios também são artistas e sabem o quão difícil é, mas a verdade é que hoje em dia todas as profissões apresentam riscos. É tão difícil ser artista como ser arquiteto, gestor ou advogado. Tudo implica imenso trabalho.

É necessário aprendermos desde cedo que temos de insistir, não desistir e continuar a trabalhar, porque podemos fazer tudo, mas com muita perseverança.

Tive um professor que me dizia: Para seguir este caminho vamos sofrer imenso, temos de ter amor e paixão por aquilo que fazemos, o entusiasmo pelo trabalho tem de partir de nós. E trabalha-se imenso, há o talento, mas é preciso trabalhar muito. Este esforço vale a pena, todos os segundos têm valido a pena. Às vezes penso que seria mais fácil não sentir, que enquanto artista há algo que necessito expressar, gosto de inquietar as pessoas, há uma responsabilidade nessa mensagem. Se calhar seria mais fácil ter um trabalho das nove às cinco, ia para a esplanada a seguir e não pensava em mais nada. Este trabalho que escolhi para mim, que me foi natural fazer, é também uma tormenta, mas é principalmente uma paixão.”

Akacorleone

artista

“Fazer parte desta exposição que é um projeto de sonho, é muito gratificante.

É curioso podermos ter artistas internacionais de referência em conjunto com novos talentos, é um equilíbrio entre os artistas que fizeram parte do princípio e os novos que estão a definir o que é o futuro desta prática.

Uma vez que temos a fotógrafa Martha Cooper, que registrou o início da arte urbana. A minha obra foi pensada no sentido de como será o seu futuro. É uma instalação imersiva, de contemplação, as pessoas poderão fazer parte do meu universo, que é muito diferente de todas as outras intervenções. Espero que percam tempo a explorar a obra e que se encontrem também a elas próprias.

Para alguém que quer trabalhar como artista no nosso país, sou da opinião que se deve encorajar esta prática e desmistificar a ideia que os artistas não têm um futuro profissional, embora seja um caminho complicado. A ideia de podermos ser artistas desde jovens e ter a perspectiva de ter uma carreira, sinto que tem mudado nos últimos anos a arte urbana também traz um pouco dessa dimensão.

Pode até vir de um contexto menos privilegiado, com menor acesso à cultura, a uma educação artística, mas o grafiti é uma forma de se dar um passo nesse sentido neste mundo e credibilizar quem vem do contexto das ruas e começou por pintar de forma às vezes até ilegal. Eu comecei a fazer grafiti com 14 anos, demorei a perceber que o que fazia poderia ter alguma dimensão artística. Licenciei-me em Design Gráfico e só depois de algum tempo a exercer a profissão, percebi que havia um caminho novo em Portugal para a arte urbana, percebi que havia uma viabilidade de poder ser artista e de viver da minha arte.

É fundamental criar projetos que mostrem a uma criança que vai a uma exposição e possa ver obras de artistas com 15, 16, 17 anos e que já estejam a ser reconhecidos pelo seu talento. A arte urbana ajuda a validar o artista desde muito jovem e isso é positivo. Na sociedade é necessário validar a arte e os artistas que podem ter uma relevância e uma voz desde cedo e ser aceite socialmente sem qualquer estigma. Desde cedo pode-se ter uma linguagem e uma mensagem importante, existe um caminho viável para pessoas que vêm de um contexto social menos privilegiado, de um bairro com menos oferta cultural.”

Wasted Rita na Galeria Underdogs

Pauline Foessel

Galeria Underdogs

A nossa ideia era não ter muitos artistas, queríamos ter metade dos artistas portugueses e a outra metade internacionais. Dos portugueses escolhemos artistas que conhecemos e com quem já trabalhamos há muito tempo. A curadoria destes artistas nasce de uma procura, seja por nossa iniciativa seja através dos portfólios que recebemos. Gostamos de acompanhar os artistas na sua carreira, não apenas pontualmente. Para nós é importante haver um equilíbrio entre novos artistas e artistas com quem já trabalhamos. Todos os artistas nacionais e internacionais estão a desenvolver obras de propósito e exclusivas para esta exposição, com a excão da fotógrafa Martha Cooper, que apresentou o grafiti ao mundo nas décadas de 1970 1980 e o seu tabalho irá mostrar a evolução da história da arte de rua.

Fotografia Martha Cooper, Nova York, decada de 1970