
Desde a arte à arquitetura, da gastronomia à natureza, Portugal é riquíssimo em História, tradições, pormenores diferenciadores, saberes ancestrais, enfim, é talvez o último dos segredos bem guardados da Europa. A nossa missão é exatamente essa, de comunicar o melhor de nós, assumidamente não de uma forma massiva e sem critério, mas com a clara intenção de ampliar um público que procura, com certeza uma alternativa, uma outra versão da nossa contemporaneidade.
Nesta edição rumámos à princesa do Alentejo, passando também por outras regiões. Descubra os nossos caminhos,nesta bonita edição de primavera.
Susana Jacobetty


Capa A MAgazine N5
A, em madeira, esculpido por Mal Barbado. Fotografia João Bettencourt Bacelar, styling Susana Jacobetty, modelo Lucas (Karacter Models),
maquilhagem e cabelo Tania Doce. Coroa Palmas Douradas, camisa Miguel Vieira.

LOGOTIPO DA EDIÇÃO Nº5 CRIADO EM MADEIRA PELO ARTESÃO E DESIGNER ANDRÉ PANÓIAS
“A silhueta do ‘A’ é parte de uma proposta tipográfica – Alfabeto pastoril – que resulta da recolha e análise da caligrafia inscrita a navalha numa seleção de artefactos do quotidiano da arte pastoril do Alentejo central – cornas, polvorinhos, tarros, colheres, cadeiras, … Os motivos geométricos entalhados são inspirados nos elementos-chave dos objetos tradicionais bordados pelo pastor-artesão, encontrados presencialmenteou em produções arqueológicas.”
André Panóias

André Panóias nasceu em Évora, mas sente-se natural de Alcáçovas (Viana do Alentejo), uma vez que foi lá que passou toda a sua infância e adolescência. Foi com o avô Manuel, que era pedreiro, e com o avô Joaquim, que era padeiro e vendedor de mobiliário, que teve as suas primeiras experiências com madeira.”A questão das madeiras não sei ao certo onde começa, mas desde cedo que me lembro de fazer coisas na garagem de um e outro avô. A madeira era o material que havia mais próximo e que era mais versátil para trabalhar; as ferramentas eram manuais e “perigosas” para uma criança, mas fui fazendo, sempre, algumas coisas com desperdícios de madeiras e outros materiais que coexistiam naqueles espaços.”

Embora nunca tenha querido ter um curso superior, fez uma licenciatura em Design, na Universidade de Évora, e um mestrado em Design de Produto e Serviços, na Faculdade de Arquitetura de Lisboa. O seu projeto final de mestrado foi sobre a relação entre o slow design, uma perspetiva emergente, e a arte pastoril, que se extinguiu com os progressos tecnológicos da agricultura. Entretanto começou a fazer colheres em madeira com inspiração na arte pastoril como hobby e o seu gosto e entusiasmo por esta arte milenar leva à concretização da marca Mal Barbado. As técnicas que utiliza são ancestrais, as mesmas que foram durante séculos usadas pelos pastores, e as ferramentas muito semelhantes, como a faca, legra e machado.

Colheres artesanais em madeira, dos séculos XIX e XX, da coleção permanente do Museu Nacional de Etnologia, adquiridas no Alentejo em 1967 por Sebastião Pessanha (1892-1975), coletor, etnógrafo, crítico de arte e antigo Diretor do Museu Municipal de Sintra.


A atividade da lavoura, e o dia-a-dia passado no campo, levavam os trabalhadores rurais a tomar as refeições no local de trabalho. A colher provadeira, ou provadora, era utilizada durante a confeção das refeições comunitárias – a cozinha dos ganhões – no tempo em que a tuberculose era incurável. Para não contaminaros trabalhadores, as cozinheiras recolhiam o caldo com uma concha e faziam-no escorrer para o provar na concha oposta. De forma a nunca estarem em contacto direto com as refeições comunitárias, evitando os contágios e as mortes que daí pudessem surgir.


A colher dos namorados, arte pastoril milenar, era feita à mão pelo pastor alentejano com uma navalha, que nela incutia todo o seu saber, amor e engenho. Genuíno, humilde e simples, o pastor alentejano não tinha possibilidades de oferecer um anel e era através destas colheres rendadas, trabalhadas minuciosamente com grande arte e beleza, que imprimia toda a paixão pela mulher amada, a sua “conversada”, como à época se dizia. Quando oferecidas eram símbolo de promessa, de eterna fidelidade e união.
