Zambujal 360

Promovido pela Associação Leigos Missionários da Consolata (AdGentes), e pela associação recreativa CAZAmbujal, o projeto “Zambujal 360” pretende promover o bairro do Zambujal a primeiro bairro social embaixador dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas assente nos eixos: comércio local, educação na saúde e educação pela arte.

No intuito de trazer arte ao bairro, a artista portuense Luísa Mota foi convidada para elaborar um mural numa das empenas centrais do bairro.

Mural por Luísa Mota

Numa busca em aprofundar a sua pesquisa para a criação do mural, e sendo a Performance a diretriz máxima da sua obra e expressão artística, Luísa Mota, contando com a participação ativa da comunidade, desenvolveu, em colaboração com a coreografa Ana Rocha, a performance Crystal Beings”, promovendo ao longo dos últimos meses workshops, ensaios com, e para, os moradores do bairro.

Os Crystal Beings (aka Invisíveis) são seres paradoxais; silenciosos, mas ao mesmo tempo criando barulho (devido ao seu som metalizado), existindo como elementos que espelham o seu redor. O facto de serem completamente anónimos faz com que elimine por completo qualquer indicativo de identidade do intérprete – levando a uma ambivalência em relação ao género, idade, etnia do mesmo/a. A nível do espectador cria uma incerteza inquisitiva e desconforto social, sendo que os parâmetros normativos de identificação são extintos. A nível do intérprete gera uma experiência de introspeção num ambiente coletivo, gerando sentimentos de desapego, satisfação e curiosidade.

ENTREVISTA A  LUÍSA MOTA

Como foi a experiência de trabalhar no Bairro do Zambujal?

O Bairro do Zambujal distingue-se de outros bairros na zona metropolitana de Lisboa pela sua diversidade e dinâmica intercultural e geracional, aparentemente ainda não tocada por projectos culturais e sociais de fundo.

Contudo, associações sociais e culturais como o Caza, a Comuza, a Orquestra de Batukadeiras, o Shelter, a Cooperativa, o Cesis, a Partilha, a Pastoral e a Johnson, são exemplos de organizações que desde há algum tempo têm estado a construir um acompanhamento de apoio humano, social, educativo e cultural para apoio à comunidade do Zambujal e para o desenvolvimento das diversas gerações que habitam e fazem viver o bairro. Foi com estas que fomos construindo laços de proximidade, e foram estas que nos foram abrindo as suas portas, com quem nos relacionamos e interessamos pelos seus objectivos e trabalho de empatia diário.

O Bairro do Zambujal, que visitámos em Março de 2023, é o bairro que agora nos abraça sempre que o visitamos e vivemos, sempre que nos deslocamos, do Porto a Alfragide, nas estadias de longo e curto prazo, para com a comunidade colaborar. Partimos do princípio que ali seriamos nós a aprender e que o projecto se iria desenrolar em parceria com a generosidade de cada pessoa que iríamos encontrar. Podemos dizer que neste momento temos família também no Zambujal, que sabem bem quem somos, o que fazemos, e nós sabemos aos poucos, sem timidez, quem são estas pessoas que ali vivem desde os anos 90, desde a ida à missa, ao atelier de costura, aos ensaios de grupos musicais, aos cafés entre as Mães de Água e o Restolho, aos jogos de futebol, às aulas de dança, e aos ensaios das Batukadeiras.

Crystal Beings (aka Invisíveis)

Dia-a-dia fomos procurando entender a malha emocional e humana de cada uma destas pessoas, e fomos propondo laboratórios em torno de temáticas relacionadas com o que nos foi sendo partilhado. Mães guerreiras, histórias de resiliência, de profunda crença e motivação, com as quais estabelecemos laços com os nossos pontos de interesse que nos ligam aos Crystal Beings. Transformação do ser humano, a força e a energia que existe em cada um, e como essa ilumina cada esquina do seu quotidiano, e como uma massa humana em conjunto, em silêncio, onde o género, a identificação racial,a faixa etária, ou o estatuto social se dissolvem quando mergulhamos nestes personagens de consciência expandida.

Para nós, poder estar na “casa” que não é nossa à partida, e termos sido acolhidas de um modo tão particular e caloroso, deixa-nos marcas de profundo afecto. Há muito para fazer, há muita vontade de continuar de ambas as partes. E deste modo o que podemos dizer, neste caminho construído em conjunto de Março a Julho de 2023, que não se tratou de uma experiência, mas de uma vivência profunda que criou raízes de engajamento e de mútua influência.

Crystal Beings (aka Invisíveis)

Como se sente por ter sido escolhida, enquanto artista portuense, para integrar o grupo de artistas que apadrinha cada ODS?

O Objectivo Desenvolvimento Sustentável a que fui destacada é o ODS 9 e é patrocinado pela Fundação Manuel António da Mota. Este é o primeiro mural a ser pintado no Bairro no âmbito do projecto Zambujal 360. O tema do ODS9 é a inovação, a indústria e as infraestruturas e a artista convidada fui eu. Propus uma reinterpretação mais vanguardista do que é a indústria e as infraestruturas, retomando sempre o meu reportório muito autoral e artístico, a representatividade dos meus personagens recorrentes: Os Invisíveis. Estes seres futuristas e metalizados têm vindo a circular pelo bairro do Zambujal nos últimos meses, num propósito de renovação social. Os Invisíveis têm um simbolismo que abrange várias questões, desde a nível pessoal, estrutural/social e espiritual. A maneira como estes personagens se desdobram em diversas dimensões, também devido ao fator espelho e prismático da sua figura, requer um esforço mental, visual, conceptual, tal como a construção de uma nova visão do futuro. Estes personagens surgem nas artérias do bairro numa missão de sensibilizar as suas infraestruturas, e alertar de um novo paradigma de construção social.

Crystal Beings (aka Invisíveis)