PAULA GARCIA ÉVORA 27

Vestido, Katty Xiomara. Capote, Capotes Emotions Évora.

Coordenadora da Equipa de Missão da candidatura de Évora a Capital Europeia da Cultura em 2027, Paula Mota Garcia tem feito um percurso profissional sobretudo na área da programação cultural enquanto estratégia de desenvolvimento de territórios e de públicos.

A par do desenvolvimento de conceitos que relacionam a arte com outras escalas da dimensão humana, como a educação ou a economia criativa, quer a nível regional, como nacional e internacional, tem coordenado vários projetos de intervenção artística em comunidades específicas e trabalhado com outros programadores, nomeadamente, na criação/consolidação de redes de programação, tendo estado, diretamente, envolvida na criação da PERFORMART – Associação para as Artes Performativas em Portugal (outubro 2016). Releve-se ainda o desenvolvimento de parcerias com empresas, contribuindo para o aprofundamento do mecenato cultural em Portugal.

Camisa e saia, Isidro Paiva.

Até março de 2020, foi diretora-geral e de programação do Teatro Viriato (Viseu, Portugal), instituição com quem colaborou desde 1999, tendo recebido em setembro de 2019, pelas mãos de Sua Excelência o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o título de Membro Honorário da Ordem do Mérito atribuído ao CAEV/Teatro Viriato, a propósito dos seus 20 anos de atividade.

Nos últimos anos tem sido convidada para proferir comunicações em conferências/encontros de âmbito nacional e internacional, bem como para a redação de textos para edições sobre a sua experiência nas artes performativas.

Casaco, Isidro Paiva. Museu Frei Manuel do Cenáculo, Évora.

O que a levou a encabeçar esta candidatura e quais as suas razões pessoais para acreditar que Évora deve ser Capital Europeia da Cultura?

Aprecio muito o potencial de transformação social que a atividade artística, cultural e criativa desempenha numa cidade, num território, na vida das pessoas. O desenvolvimento do sentido crítico é fundamental para a construção de uma sociedade mais preparada para encarar o futuro. A atividade artística, cultural e criativa tem essa capacidade de nos colocar em questão, de nos inquietar. E o processo de candidatura a Capital Europeia da Cultura cumpre de forma exímia essa função à dimensão de cidade e de território. Quando colocamos a Cultura ao centro do desenvolvimento de uma cidade, por via de um processo como este, estamos inevitavelmente a questionar o futuro e a trabalhar diversas escalas de relação da Cultura com a educação, com a justiça, com a economia, com a mobilidade, com a saúde, com o urbanismo, entre outras. O poder de transformação é imenso e vai sendo compreensível à medida que se vai implementando.

Tratando-se de um processo muito complexo, precisamente por todas as conexões que implica estabelecer, a candidatura implica 6 anos de preparação até ao ano do título e isso é representativo do necessário trabalho estruturante que qualquer transformação exige. Uma tarefa hercúlea que gera um forte impacto na vida das pessoas, e que deve ser mobilizadora, precisamente porque, desde logo, afeta os modos de vermos o mundo a partir do lugar onde estamos.

Muito embora a candidatura a Capital Europeia da Cultura não trate o passado de uma cidade, mas sim na transformação do presente, ou seja, na projeção do futuro de uma cidade, Évora é marcada por uma riqueza histórica, que por si, já desafia um pensamento de futuro, isto é, a partir do passado desta cidade e do seu presente, conseguimos abordar questões contemporâneas e até aquelas que são hoje consideradas as grandes agendas europeias: o pactoecológico, a transição digital, os direitos fundamentais, o respeito pela diversidade, a inclusão, a redução das desigualdades, as energias renováveis, entre outras. Através de Évora, e do Alentejo, podemos ainda celebrar e, sobretudo, promover a diversidade cultural europeia e este é um princípio fundamental do processo de candidatura.

Quais são os principais pontos fortes que fazem de Évora uma forte candidata a ser Capital Europeia da Cultura em 2027?

É curiosa a pergunta porque, ao contrário do que normalmente se pensa, são precisamente as fragilidades da cidade que se entendem como pontos fortesda candidatura. Ou seja, o modelo de Capital Europeia da Cultura tem vindo a sofrer alterações. Hoje o que se privilegia na candidatura são precisamente as fragilidades e o contributo que é proporcionado pelo processo Capital Europeia da Cultura para a transformação (inversão) destas. Assim, o exercício de candidatura implica salientar os pontos fracos da cidade, e do território, e indicarmos como poderá a Capital Europeia da Cultura contribuir para a sua mitigação e transformação positiva. E aqui, o Alentejo debate-se com a perda de população, com o duplo envelhecimento, com a exposição crescente aos riscos extremos climáticos, entre outras ameaças.

Gabardina em microfibra, coleção Resilientes, Nuno Gama. Botas em cortiça com lã de ovelha, Montsobro Évora.

Vestido, Katty Xiomara. Capote, Capotes Emotions Évora.

O que implica para Évora ser Capital Europeia da Cultura ou abraçar esse desafio de transformação mesmo que não consiga o título?

Implica repensar as escalas de relação de Évora com o território, com o país e com a Europa. Implica desenvolver a dimensão europeia da sua oferta cultural, promover a cooperação transnacional, ampliar o acesso e a participação cultural, fortalecer o seu setor cultural e criativo desenvolvendo vínculos a outros setores e elevar o perfil internacional da cidade através da cultura. Sobretudo Évora tem de estar consciente do enorme trabalho que uma transformação desta natureza implica e que só é possível com a cumplicidade dos seus habitantes. Importa referir que é a primeira vez que em Portugal se experiencia um processo de candidatura a Capital Europeia da Cultura com várias cidades a competir pelo título. E a concorrência é muito forte. Foram 12 as cidades que apresentaram as suas candidaturas, sendo que não há um modelo para a organização do processo. Cada cidade decide
o seu próprio percurso.

Quais os benefícios para Évora e para o Alentejo, caso Évora venha a ser Capital da Cultura em 2027?

A Capital Europeia da Cultura é uma oportunidade para regenerar cidades e elevar o seu perfil internacional. Não se tratando de uma candidatura de pura promoção turística, é importante que a experiência de ser Capital Europeia da Cultura crie uma nova dinâmica para a cultura da cidade, crie condições à fixação de pessoas e que melhore a imagem que os residentes têm da sua cidade e território. Um impacto que se considera desejável não apenas para o ano do título, mas, sobretudo, com o que fica desse ano. É ainda crucial que atenue a condição de interioridade, promova uma consciência de pertença a um espaço cultural europeu comum e que fortaleça todo o setor artístico e cultural, inscrevendo-o no circuito nacional e internacional de forma mais consequente.

Mas mais do que o título, é necessário sublinhar a relevância deste processo que, em si, já encerra uma dimensão transformadora do território.

Vestido, Katty Xiomara. Capote, Capotes Emotions Évora.

O que ganhou a região de Évora e Alentejo com a primeira fase da candidatura, e o que irá ganhar se não passar à segunda fase?

Talvez aquando da publicação desta entrevista, Évora já saberá se avança para a fase de seleção, mas se ainda assim ficarmos apenas pela pré-seleção, há algo que, de facto, já ficou:

A promoção do diálogo e da colaboração entre oito importantes organizações da cidade e do território que se uniram para constituírem a Comissão Executiva da candidatura (a Câmara Municipal de Évora, a Direção Regional de Cultura do Alentejo, a Universidade de Évora, a Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central, a Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional do Alentejo, o Turismo do Alentejo – ERT, a Fundação Eugénio de Almeida e a Agência Regional de Promoção Turística do Alentejo – ARPTA), um posicionamento muito simbólico no Alentejo;

A formalização do compromisso político do Alentejo Central para com esta candidatura;

A aprovação de uma estratégia de cidade de longo prazo sem a qual, Évora não estaria em condições de concorrer a Capital Europeia da Cultura;

A revisão do Plano Estratégico para a Cultura;

A afirmação desta candidatura pelo Conselho
Regional como um dos principais projetos no quadro de financiamento 2021-2027, tanto na Estratégia de Especialização Inteligente como na Estratégia Regional Alentejo 2030;

Compromissos políticos que são evidência de que, de facto, a Cultura já foi colocada ao centro do desenvolvimento da região. Por outro lado, os trabalhos que culminaram na apresentação do dossiê de pré-seleção de candidatura, permitiram fazer uma significativa auscultação do setor cultural e criativo do Alentejo e de tantos outros agentes do território.

E, por fim, se não passarmos à fase de seleção que culmina com o anúncio da cidade vencedora, Évora pode tirar o maior proveito deste processo e dos projetos apontados na candidatura e que, quanto a mim, deveriam ser implementados porque são importantes

para um reposicionamento da cidade a nível nacional e internacional no que toca à criação artística e ao fortalecimento do setor cultural e artístico do território. Acresce todo o impacto que esses projetos terão nas relações que podem ser estabelecidas com outros domínios: educação, turismo, saúde, social, entre outros.

Que mensagem/s esta candidatura de Évora pretende comunicar?

Esta candidatura é sobre o quão de futuro para a Humanidade encontramos no Alentejo. A pandemia forçou e acelerou uma consciência de mudança e acreditamos que as práticas de vida que encontramos no Alentejo são um grande contributo para o rumo que o mundo deve seguir. Refiro-me à exemplar relação da natureza, animal e humano no montado alentejano, à relação com o desperdício, às práticas do coletivo, às práticas do saber fazer, à relação com o espaço e com o tempo, com a terra e com o céu. Acreditamos que esta candidatura renova todo um discurso que o Alentejo pode desenvolver para si, para o país e para o mundo.

O que pode significar para Évora, Portugal e para Europa, Évora ser Capital Europeia da Cultura?

Julgo que pode ressignificar a importância de Évora e do Alentejo para o país e para a Europa, sobretudo, para Portugal. Tenho em mim a convicção de que grande parte dos portugueses não compreende e não conhece a riqueza do Alentejo. Esta riqueza que encontramos no seu passado histórico, político e social, mas sobretudo no valor das suas gentes.

Vestido, Katty Xiomara. Capote, Capotes Emotions Évora.

Gabardina em microfibra, coleção Resilientes, Nuno Gama. Botas em cortiça com lã de ovelha, Montsobro Évora.

O que é o Vagar e por que é importante essa mensagem, tanto localmente como para a Europa?

Esta candidatura quer elevar o “vagar” a desafio para a Humanidade. O vagar do Alentejo não é lentidão. O vagar do Alentejo é a consciência de que o humano está sempre em relação com tudo o que o rodeia, com o tempo, com o espaço, com o universo, é, por isso, coexistência, coevolução, criação e construção. Por tudo isto, o vagar questiona a dominância do humano – o lugar de reflexão para onde nos parece que o mundo deve seguir. O vagar encerra uma dimensão local porque emerge do território, uma dimensão nacional porque é uma chamada de atenção para um quarto do território português que tem sido esquecido mas que tem para dar futuro, e uma dimensão europeia porque o vagar pode ser a “nova normalidade” que a Europa procura, sobretudo, depois de uma pandemia, pode ser a respostaaos enormes desafios que enfrentamos como europeus. O vagar para a construção de uma nova vaga para a humanidade.

Quais são os seus locais preferidos em Évora, e o que considera fundamental que a Europa conheça sobre esta cidade alentejana histórica?

Mais do que a cidade alentejana histórica, o que considero mesmo relevante para qualquer pessoa que venha a Évora, é que a sinta e que compreenda a culturaholística do Alentejo. Este desafio parece-me, portanto, bem mais profundo do que apenas um cartão de visita! Acreditamos que o Alentejo não se visita, vive-se!

Entrevista: Susana Jacobetty

Fotografia: João Bettencourt Bacelar

Styling:Susana Jacobetty

Maquilhagem e Cabelos: Magui Louro