O Tapete Está na Rua

Por Susana Jacobetty

A festa O Tapete Está na Rua acontece em Arraiolos todos os anos em Junho, desde 2003. A vila alentejana enche-se de cor e música, com tapetes estendidos nas varandas, bordadeiras sentadas à sombra nas portas das lojas, bandas a tocar e a cantar música, da medieval à tradicional, e na Praça do Município, coração da vida política, económica, social e cultural da vila, em frente aos Paços do Concelho é estendido o maior tapete de Arraiolos.

 

Nesta praça central quinhentista, no seguimento de escavações arqueológicas em 2003, foram descobertas noventa e cinco fossas no substrato geológico que teriam sido um complexo tintureiro de grandes dimensões na Baixa Idade Média, século XIII.

Rua Alexandre Herculano, Arraiolos.

Varanda, Largo do Municipio, Arraiolos.

Em 2011, descobriram-se mais trinta e oito fossas por baixo do antigo Hospital do Espírito Santo, atual CITA, Centro Interpretativo do Tapete de Arraiolos. As evidências científicas indicam que terá sido uma tinturaria de tingimento de lãs.

Presume-se que o seu abandono e posterior reconstrução desta praça terá acontecido em finais do século XV.

Durante a festa O Tapete Está na Rua, acontecem concertos, espetáculos, exposições, workshops, recriação histórica, animação de rua, encontros internacionais como o Ponto-Textile Art in Perspective e lançamento de livros. É a apoteose das várias valências e tapetes da terra.

O termo tapetes da terra e tapetes feitos na terra aparece em documentos arraiolenses datados de 1598, 1601 e 1602, dando origem à generalização do termo Tapetes de Arraiolos no século XVII.

De facto, a referência mais antiga documentada sobre os tapetes de Arraiolos é do final do século XVI. No entanto é possível e provável que a época dos primeiros tapetes seja anterior a esse registo.

Os tapetes mais antigos que chegaram aos nossos dias são datados do século XVII. A maioria destes tapetes de Arraiolos são provenientes de conventos que, ao serem extinguidos em 1834, viram grande parte do seu espólio ser acolhido por museus nacionais, como o Museu de Arte Antiga, Museu Machado de Castro e o Museu de Évora.

Largo do Município, Arraiolos.

Largo do Município, Arraiolos.

“Os tapetes bordados de Arraiolos são uma das mais valiosas expressões do génio artístico português, assumindo um lugar de relevo entre as manifestações artísticas que compõem as artes ornamentais portuguesas. E para além da beleza dos seus exemplares mais antigos, há à sua volta uma aura de mistério no que concerne às suas origens…”

 Rui Miguel Lobo em Origens e Influências Decorativas do Tapete de Arraiolos.

Igreja da Misericórdia de Arraiolos.

Ao contrário do que durante nos últimos 100 anos se acreditava ser a tradição das cores nos tapetes de Arraiolos, os tons claros cor de grão, foi possível através de análises químicas realizadas em laboratórios da Universidade de Évora apurar-se

e concluir que a paleta cromática original era muito diferente, as cores eram fortes. Encarnados, azuis,
o cor de rosa, roxo, verdes, amarelos e laranjas eram as cores primordiais.

O encarnado, o azul escuro e o verde ferrete constituíam normalmente os fundos dos tapetes
e o amarelo era utilizado nas suas barras. Esta deturpação da tradição primária das cores originais dos tapetes de Arraiolos ocorreu devido a um processo de degradação fotoquímica, uma vez que as lãs eram tingidas com corantes naturais muito sensíveis à luz.

Com o passar do tempo foram perdendo as suas cores e, no século XX, estes tons esbatidos com as cores alteradas foram tomados como referência em estudos sobre a paleta cromática tradicional dos mais antigos tapetes de Arraiolos.

“Fiz uma provisão de tapetes para a minha viagem, todos de um desenho grotesco e de côres retumbantes, produto de uma fábrica da vila que dá trabalhoa trezentos operários… Mandei- os estender em volta do leito; e, olhando-os, a sua diversidade de cores ofereceu-me um aspecto completamente exótico.”

Carta relativa aos tapetes de Arraiolos do aristocrata inglês, escritor, crítico de arte e político William Beckford a 1 de Dezembro de 1787, Estremoz.

Vidrão decorado com motivos de Tapete de Arraiolos.

Desenho para Tapete de Arraiolos.

No século XVII, a maioria dos tapetes de Arraiolos eram bordados em linho com o ponto pé de flor. O ponto de Arraiolos era apenas utilizado para preenchimento dos motivos decorativos. Devido à morosidade desta técnica secular, deu-se um processo gradual de substituição do linho por estopa de linho, até à utilização da serapilheira.

Bordar um metro quadrado em serapilheira em ponto de Arraiolos demora entre 12 a 15 dias. Para bordar o mesmo metro quadrado em linho com o ponto pé de flor são necessários 2 meses. O CITA, Centro interpretativo do Tapete de Arraiolos tem bordadeiras que ainda fazem artesanalmente tapetes em ponto de pé de flor.

Historicamente, os tapetes de Arraiolos tinham4 tipos de motivos a nível do desenho: antropomórfico, zoomórfico, geométrico e floral. Ainda hoje têm de obedecer a regras esquemáticas e decorativas tendo em conta todos os preceitos inerentes, à técnica e à tradição.

CITA, Centro Interpretativo do Tapete de Arraiolos.

Os artistas da terra, Zé Gandaia e Manuel João Ludovico, são normalmente os responsáveis pelos desenhos dos tapetes de Arraiolos atuais. Estes desenhos contemporâneos são adaptações dos antigos. Muito raramente se cria um desenho ou um padrão novo.

Para Rui Miguel Lobo, especialista nesta arte secular arraiolense e Diretor do CITA, Centro Interpretativo do Tapete de Arraiolos, o futuro tem de pressupor uma evolução do ponto de vista decorativo e de sustentabilidade económica.

A aposta na qualidade e diferenciação é fundamental, mantendo a tradição e a história, mas inovando dentro dessa tradição, com requisitos de qualidade técnica, de material e decorativa, de forma a criar um produto diferenciado e único. O tapete bordado de Arraiolos é um bem nacional patrimonial cultural e imaterial.